Atualização das regras da UE em matéria de teletrabalho anima debate em audição do CESE

Apesar de todos os benefícios do teletrabalho, é importante não sucumbir a uma cultura de disponibilidade permanente dos trabalhadores

Em 7 de janeiro, o Comité Económico e Social Europeu (CESE) realizou uma audição à distância sobre o tema «Desafios do teletrabalho: organização do tempo de trabalho, equilíbrio entre vida profissional e pessoal e direito a desligar-se».

A audição, que reuniu membros do CESE e do Parlamento Europeu (PE), bem como representantes da Comissão Europeia, da Presidência portuguesa da UE e de organizações da sociedade civil, debruçou-se sobre a questão de saber se os quadros jurídicos da UE e os acordos entre parceiros sociais em vigor protegem suficientemente os trabalhadores e garantem condições de trabalho justas para as pessoas que trabalham a partir do domicílio.

Segundo os participantes na audição, por força dos confinamentos rapidamente impostos pelos governos para travar a propagação da COVID-19, a percentagem de trabalhadores em teletrabalho na UE aumentou de 5% para cerca de 50%, o que provocou mudanças profundas no mundo do trabalho, a que tanto empregadores como trabalhadores tiveram de se adaptar em poucos dias.

Foram também unânimes quanto ao impacto polarizante do teletrabalho que, nos últimos meses, deixou transparecer quer os seus aspetos positivos quer os negativos. No entanto, os participantes divergiram sobre a necessidade de atualizar as regras da UE em vigor.

A audição foi organizada no âmbito da preparação do futuro parecer do CESE sobre os desafios do teletrabalho, solicitado pela Presidência portuguesa da UE.

Tal como explicado por Ana Couto de Olim, representante da Presidência portuguesa na audição, durante os seis meses em que está ao leme do Conselho da UE, Portugal pretende centrar-se nos desafios colocados pela nova organização do trabalho e lançará um debate a nível da UE sobre o tema, tendo agendada uma conferência de alto nível para março. O parecer do CESE constituirá o contributo da sociedade civil para o debate.

Na sua alocução de abertura, o relator do parecer do CESE, Carlos Trindade, afirmou que o teletrabalho traz consigo oportunidades e riscos, não só para os trabalhadores e para as empresas, mas também para a sociedade no seu todo, podendo mudar a nossa vida para melhor ou para pior.

Entre outros aspetos, o teletrabalho permite uma maior autonomia e flexibilidade, diminui o tempo de deslocação e pode contribuir para o equilíbrio entre vida profissional e pessoal.

No entanto, ao mesmo tempo, abre também a porta a uma série de riscos nestes mesmos domínios, uma vez que pode esbater a separação entre tempo de trabalho e de descanso, obrigando muitos a trabalhar frequentemente mais horas para além do seu tempo de trabalho habitual, o que afeta negativamente o equilíbrio entre a vida profissional e pessoal e tem um impacto negativo na saúde, causando problemas musculares e ergonómicos, reforçando o sentimento de isolamento e provocando stress, depressão e esgotamento.

Não há dúvida sobre os benefícios do teletrabalho. Salvou inúmeras vidas e postos de trabalho, afirmou Alex Agius Saliba. No entanto, comporta riscos elevados, acrescentou, uma vez que, com a ajuda das ferramentas digitais, promove a cultura do «sempre conectado», em que os trabalhadores estão acessíveis em permanência para fins relacionados com o trabalho.

Trabalhar a partir do domicílio torna particularmente difícil desligar-se. Com o aumento do teletrabalho, os trabalhadores tornaram-se vítimas dos seus telefones, das suas mensagens de correio eletrónico e dos seus computadores. Podem sentir-se constantemente pressionados para verificar se receberam mensagens relacionadas com o trabalho, mesmo à noite e aos fins de semana, preocupados com o facto de a sua entidade patronal lhes exigir atenção imediata, advertiu.

A fim de garantir aos trabalhadores períodos de descanso adequados, durante os quais não estão disponíveis para executar tarefas e responder a perguntas e pedidos relacionados com o trabalho, o PE está a finalizar um relatório em que formula recomendações para uma eventual diretiva da UE sobre o direito a desligar-se. O relatório, do qual Alex Agius Saliba é relator, deverá ser votado dentro de algumas semanas e definirá este direito como o direito dos trabalhadores a desligar as ferramentas digitais, incluindo os meios de comunicação, para fins profissionais, sem que possam ser penalizados por isso.

As regras da UE em vigor têm de ser atualizadas a fim de garantir que dispomos de um quadro adequado à nova realidade digital, asseverou Alex Agius Saliba. A UE tem de prever o direito a desligar-se para que as novas condições de trabalho em ambiente digital não penalizem as pessoas. É fundamental proteger os trabalhadores contra a "invasão" do seu tempo de descanso.

De acordo com um estudo levado a cabo pela Eurofound e apresentado por Tina Weber, 30% das pessoas que trabalham regularmente a partir do domicílio mostram-se significativamente mais propensas a trabalhar todos os dias ou algumas vezes por semana durante o seu tempo livre, o que se verifica em apenas 5% das pessoas que trabalham nas instalações dos empregadores.

Isto significou frequentemente que as 11 horas de descanso diário exigidas não foram respeitadas, afirmou Tina Weber, acrescentando que, em tempos pré-COVID, era mais provável um teletrabalhador regular conseguir um bom equilíbrio entre vida profissional e pessoal.

Agora, como demonstra o estudo, muitas das pessoas que trabalharam a partir do domicílio durante a pandemia gostariam de poder continuar a teletrabalhar após a crise. No entanto, a percentagem de pessoas que preferiria continuar a recorrer com regularidade ao teletrabalho diminuiu ligeiramente entre abril e junho de 2020. A vontade de continuar em teletrabalho após a crise da COVID-19 está estreitamente correlacionada com o local de trabalho durante a pandemia: as pessoas que não trabalharam a partir do domicílio mostraram menos apetite pelo teletrabalho na era pós-COVID-19.

Embora não exista legislação da UE que aborde especificamente o direito a desligar-se ou o teletrabalho, existem vários atos legislativos pertinentes para a regulamentação do tempo de trabalho e plenamente aplicáveis tanto aos teletrabalhadores como aos «nómadas digitais».

A Diretiva relativa ao tempo de trabalho estipula um limite máximo de 48 horas de trabalho semanal e um mínimo de 11 horas ininterruptas de descanso diário, bem como a necessidade de um descanso semanal e de quatro semanas de férias anuais remuneradas.

A Diretiva relativa à conciliação entre a vida profissional e a vida familiar confere aos trabalhadores com filhos e aos cuidadores o direito de solicitar regimes de trabalho flexíveis para efeitos de prestação de cuidados e de receber uma resposta fundamentada do empregador. Um desses regimes flexíveis é o teletrabalho – a primeira vez que este direito foi incorporado na legislação da UE.

São também muito pertinentes dois acordos sociais autónomos celebrados pelos parceiros sociais a nível da UE: o acordo sobre o teletrabalho de 2002 e o acordo do ano passado sobre a digitalização.

O direito a desconectar-se está frequentemente consagrado nos códigos de conduta das empresas ou noutras formas acordadas entre os empregadores e os trabalhadores a nível individual. Alguns países, como a França, a Itália, a Espanha e a Bélgica, já dispõem de legislação que obriga os empregadores a aplicar o direito a desligar-se nas suas empresas.

Alex Pokorny, chefe de unidade na Comissão, explicou que as modalidades específicas do teletrabalho tendem a ser definidas em convenções coletivas e, ocasionalmente, no direito nacional.

Trata-se de uma atividade fundamental para os parceiros sociais a nível nacional e da UE, uma vez que as possibilidades e as disposições necessárias variam muito de setor para setor. A Comissão apoia vivamente esta abordagem. Os parceiros sociais estão em melhor posição para determinar a forma de pôr em prática o teletrabalho nos seus próprios setores, defendeu.

Segundo Esther Lynch, secretária-geral adjunta da CES (Confederação Europeia de Sindicatos), há vários «princípios de base» que devem ser respeitados no que toca ao teletrabalho.

Em primeiro lugar, os trabalhadores devem ter a possibilidade de escolher se querem ou não trabalhar a partir do domicílio. Se não uma houver convenção coletiva, fica-se à mercê da entidade patronal. É necessário garantir o direito de regressar ao local de trabalho uma vez terminada a crise da COVID-19, afirmou Esther Lynch.

Para Maxime Cerutti, da BusinessEurope, é crucial que a Comissão dê um sinal de que é favor do diálogo social.

Estamos em crer que não é necessária uma nova iniciativa legislativa sobre o direito a desligar‑se, uma vez que esta questão já foi abordada pelos parceiros sociais europeus e estamos no processo de aplicação deste novo acordo de 2020. O que é crucial é a confiança entre os parceiros sociais, ou seja, entre as empresas e os trabalhadores, sublinhou. Salientou igualmente que é aos empregadores que incumbe a responsabilidade da organização do trabalho.

Segundo Elisabeth Gosme, da COFACE, uma rede europeia da sociedade civil composta por mais de 50 organizações familiares em 23 países, a sua organização é totalmente favorável à ideia de dispor de uma diretiva da UE sobre o direito a desligar-se.

A economia remunerada depende, em grande medida, da economia não remunerada. Continuaremos a trabalhar em estreita colaboração com os parceiros sociais e os poderes públicos para assegurar que toda e qualquer evolução no domínio do teletrabalho, do trabalho inteligente ou de outros regimes de trabalho flexíveis, incluindo a transposição da Diretiva da UE relativa à conciliação entre a vida profissional e a vida familiar, contribui para o reforço do equilíbrio entre vida profissional e pessoal e constitui um progresso rumo a uma verdadeira «economia da reconciliação, concluiu.